Musicado pela Adriana Calcanhotto, é quase impossível de ler sem trautear, nem que seja um pouco, a melodia. Mas tentem. É um grande poema de um grande poeta chamado Antonio Cicero, que tive a honra de editar em Portugal. Este Inverno, pertença do seu primeiro livro, Guardar, tem três dos versos mais verdadeiros alguma vez escritos em língua portuguesa. Adivinhem quais são.
Inverno
No dia em que fui mais feliz
eu vi um avião
se espelhar no seu olhar até sumir
de lá pra cá não sei
caminho ao longo do canal
faço longas cartas pra ninguém
e o inverno no Leblon é quase glacial.
Há algo que jamais se esclareceu:
onde foi exatamente que larguei
naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo esqueci
que o destino
sempre me quis só
no deserto sem saudades, sem remorsos, só
sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
só quer me lembrar
que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar