Terça-feira, 31 de Agosto de 2010

Hoje, no Público, edição online, cita-se Gilberto Madaíl, presidente da Federação Portuguesa de Futebol. Uma pérola: Temos jogadores com muita tarimba e capacidade para passar por cima disto. Eles já jogam em automático. A pergunta é: se jogam em automático para que é que precisam de treinador?



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Segunda-feira, 30 de Agosto de 2010

Carlos Queiroz foi uma das pessoas que mais fez pelo futebol português. Se Scolari (roubando, em 2004, se bem se lembram, o trabalho de Mourinho) conseguiu com mérito posterior colocar uma selecção de um país periférico na alta roda do futebol mundial, deve-o também àquele que começou um trabalho de formiguinha com os "miúdos", primeiro de 89, depois de 91. Não nos esqueçamos que o feito de sermos bi-campeões mundiais de juniores (ou sub-20, oficialmente) foi festejado como se tivessemos ganho o Euro 2004 - 120 000 almas em 1991 na Luz; até rapazes de 12 anos, em 89, pararam as aulas para ir para a sala onde estava a tv na escola ver a final onde um Abel colocou na gaveta um golão.

Atente-se a como, depois da passagem frustrante de Queiroz pelos AA's no apuramento, falhado, para o Mundial de 1994, não mais se ouviu falar de selecções jovens em Portugal. Foi como se tivessem desaparecido, como se só tivessemos sido campeões quando houve torneios e eles se tivessem esfumado entretanto. Isto diz muito da importância de Queiroz nesse trabalho - ele saiu, foram com ele as selecções jovens.

Julgo ser também claro que o próprio Queiroz é, em si mesmo, um erro de auto-casting - alguém que quer ser aquilo que manifestamente não é. Ele é um fantástico adjunto no Manchester (que é o mesmo que dizer que planeia, treina, dirige tudo mas não decide quem entra e sai durante o jogo nem é o responsável pela motivação do grupo), ele é um fantástico director geral de uma - ainda sonhada - Casa das Selecções para o futebol português. Mas ele não é - nem nunca vai ser, por muito que lhe cust(ass)e ler isto - um fantástico treinador de campo. Razoável - concedo. Fantástico - nem pensar.

Ele é um treinador de escritório, já o disse uma vez. E por isso errou tanto na substituição do Hugo Almeida. Tinha-a planeado de véspera - nisso ele é bom, a planear - mas não percebeu o que o jogo pedia. É como se fosse o Domingos, mas ao contrário: outro que planeia mas que, ao contrário de Queiroz, sabe muito, mas mesmo muito bem o que o jogo pede. (Domingos parece-me ser neste momento o melhor treinador de campo português.)

Dito isto, cabe-me dizer o seguinte: o que lhe estão a fazer é injusto, pusilânime, indecoroso, cobarde e, para usar a linguagem do futebol, filho da puta. Não o acho pelas razões que esse iluminado chamado Rui Santos acha: porque afinal ele até usou uma linguagem normal, diz (queria ver se fossem outros, se não vinha já fazer sondagens de como deveriam ser fuzilados - no Campo Pequeno ou na Aula Magna). Acho-o porque notoriamente é um processo dirigido, com o intuito de o despedir com justa causa para poupar uns trocos. E mesmos que esses trocos sejam milhões. Ele usou de linguagem que não devia - concedo. Mas esperar pelo resultado do Mundial, onde "atingiu os objectivos propostos" (e até ganhou com isso um prémio de 700 000 euros), para intentarem uma acção deste tipo é muito triste. Querem despedi-lo? Façam-no. É só pagar os ordenados até final do contrato. Ou então chegassem a acordo com ele. Mas nem ele, nem Portugal - que vai passar por este andar metade da qualificação sem treinador - mereciam este tratamento.

Tenho pena que ele queira ser o que não é. Eu queria muito que Queiroz fosse a pessoa que dirigisse todas as selecções portuguesas, desde os infantis, aos AA's. Mas também queria um treinador que fosse de campo e não de escritório. Coisa impossível, infelizmente. Caros: fiquemos todos contentes e felizes com os meninos bi-campeões, com os semi-finalistas AA's, com o quase de 2004. Agora, com ou sem CR7, só quando Mourinho pegar nisto é que a coisa indireita - nas minhas previsões, depois do Mundial de 2014, quando já tiver ganho tudo com o Real e for descansar um ano para um clube Usbeque qualquer, enquanto vai planeando as selecções nacionais (que o Mourinho não vai querer só ganhar com os AA's, quando entrar vai querer mandar em tudo e ganhar com tudo e mais alguma coisa).



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Terça-feira, 24 de Agosto de 2010

Só agora me chegou ao conhecimento a Grande Oferta de Livros do Bibliotecário José Mário Silva. Mas mais do que dizer acho a ideia muito boa, quero aqui dar conta do verdadeiro acto de amor que o o Zé Mário partilhou no seu texto de apresentação da iniciativa. Cito:

(...) Ou seja, para que novos livros entrem (e eles não páram de chegar), outros terão de receber guia de marcha. Na maioria livros bons, que eu já li ou gostava de ler um dia, mas que na verdade sei que nunca serão lidos ou relidos. Já para não falar nas duplicações, efeito secundário da conjugalidade.

As duplicações estão para a conjugalidade como a religião para a evolução do Homem - um subproduto (continuo a ler calmamente Dawkins). Oferecer livros duplicados - alguns deles certamente tão queridos de um e de outro - é um verdadeiro acto de amor: como entenderão os bibliófilos, mais do que com o sim habitual, é com esta acção que é dado o passo sem retorno. Um abraço ao Zé Mário e outro à Margarida.



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Segunda-feira, 23 de Agosto de 2010

Sendo, como sou, um quase-(faltam-cinco-semestrais)-biólogo fiz ainda uma parte considerável do curso. Mas mais importante: fiz as cadeiras que me fazem escrever este texto devidamente encartado. Zoofilogenia e Evolução com 17 valores (onde se estudam entre outras coisas as razões para a extinção das espécies); Ecologia e Conservação do Meio Ambiente com 15; Ecologia com 10. Que quer isto dizer? Que sou cinquenta por cento mais entendido na conservação do meio ambiente do que na ecologia, é certo. Mas que sou quase vinte por cento melhor em extinguir espécies do que em conservá-las.

É por estas e por outras coisas que acho sempre um piadão quando me falam, cito, da ameijôa-zebra, da ameijôa-quagga, dos vermes da raiz do milho ocidental ou de peixes cabeça-de-cobra. Razão para achar piada: todos eles são citados no prólogo do livro Fragmento, editado há meses pela Porto Editora. Ainda não li mais. O livro deve ser bom, acredito, pelo menos a história parece bem interessante. Não estou à espera de ler Lobo Antunes, antes um contador inócuo de histórias, o que também faz bem às vezes. Mas esse prólogo é mesmo muito muito interessante.

Cito: "No início da década de 1990, vermes da raiz do milho ocidental apanharam boleia num avião a jacto e aterraram na Jugoslávia dilacerada pela guerra." Agora notem: "Enquanto os seres humanos estavam preocupados com a sua efémera e sangrenta guerra, os vermes da raiz lançavam o seu próprio ataque permanente." Pelos vistos uma fêmea fecundada lixou as colheitas da Europa para muitos anos porque entrou sem tirar os sapatos e o cinto no avião. Mas não é isso que me detém nesta citação.

O prólogo é um desfiar de tragédias sobre aquilo a que se chama (termo técnico) espécies invasoras. Aquelas que, por alguma razão - neste prólogo praticamente sempre por causa do Homem (tirando o exemplo do tigre dentes-de-sabre que, maroto, há uns cinco milhões de anos se aproveitou de um istmo que parecia guiado pela vontade para se ter criado, e com a sua migração matar as aves não voadoras da América do Sul) - invadem um ecossistema que estaria em, dizem, equilíbrio e dizimam as espécies que não estavam preparadas para a sua chegada, quer por substituição do seu nicho biológico, quer por parasitação ou predação. O tigre é um bom exemplo.

O que aqui é preocupante é que esta retórica pensa duas coisas completamente ridículas: 1) que as espécies estão perfeitamente adaptadas e o tigre não tinha nada que estragar a adaptação (isto num plano dito "natural") 2) que o Homem, então esse, é que não tem nada que andar para aí a viver e alterar ecossistemas e extinguir espécies - o homem não pertence sequer ao mundo "natural".

O primeiro erro é biológico: as espécies nunca estão adaptadas ao seu meio ambiente, estão sempre em processo de adaptação através daquilo que Darwin chamou selecção natural. Este termo pode ser equívoco: não é selecção natural - é elimininação natural. Os que são eliminados não se reproduzem e os sobrantes - que em vez de serem seleccionados por serem os devidamente adaptados são os, às vezes, um só bocadinho melhor adaptados do que os outros - é que se safam. Ora, naturalmente - notem - naturalmente, o tigre estava mais preparado para aquele ecossistema que as aves não voadoras que não tinham evoluído em confronto com essa presa. E, naturalmente, dizimou-as. Que aconteceu a seguir? A população de tigres pode ter-se extinguido também ou pode ter equilibrado a sua existência naquele novo ecossistema com as presas que se aguentaram. E isto, meus caros, é natural. Colocar este exemplo neste prólogo denota um enviasamente brutal do que é a evolução biológica: 99% das espécies que existiram desde sempre na Terra já se extinguiram. O que existe é 1% (ou menos, acho). O peixe cabeça-de-cobra é só mais uma espécie de peixe numa longa linhagem de espécies de peixes, não é aquela.

Mas passemos ao segundo ponto: o Homem. Claro que depois do exemplo do tigre até parece certo dizer que o Homem faz tudo mal. Mas não faz. O Homem é um animal. Que como o tigre - e por causa de uma coisa chamada inteligência que permitiu a tecnologia e que evoluiu por selecção natural naturalmente (insisto - naturalmente) - encontrou não num ecossistema como um lago (no casos das ameijôas) ou a América do Sul (no do tigre), mas digamos, num ecossistema global, maneira de se multiplicar. E só parará quando acontecerem uma de duas coisas, ambas naturais: ou terminarem os seus recursos ou se auto-aniquilar (sendo que esta segunda parte também pode ser considerada natural já que advém da disputa de recursos - seja território, água, etc, com ou sem a religião encapotada). E os recursos são as nossas aves não trepadoras que não estavam à espera de um tigre com estes dentes. Naturalmente.

Quanto ao facto que verdadeiramente me fez escrever este relambório - o Homem como elemento disruptivo pela sua acção nos ecossistemas do mar negro ou nas colheitas da Europa - é determinante perceber que (e vão ver o bold acima por favor na citação) a nossa guerra não tem de ser efémera em contraponto com o ataque permamente do verme. A nossa guerra é tão natural - porque humana - como o ataque completamente efémero e natural do verme: quando os jugoslavos se organizaram acabou a guerra; quando o verme for parado e extinguido ou acabar por destruir todas as colheitas, auto-extinguindo-se ou entrando (se não destruir todas todas) em equilíbrio com o seu meio ambiente, acaba a praga.

O que quero aqui de uma maneira tão politicamente incorrecta dizer é que não acho que haja qualquer problema com o facto do senhor Eugene Schiffelin, em 1890 e porque achava que todos os animais citados por Shakespeare deveriam exisitir no Novo Mundo, ter soltado 30 casais de estorninhos no Central Park e agora existirem 200 milhões de estorninhos na América, certamente tirando lugar ao correspondente pássaro  que ocupava o mesmo nicho biológico. Como o istmo que no prólogo é quase visto como uma coisa diabólica - e foi tão natural - como o cometa que no Cretácico caiu no local onde é agora o Golfo do México e acabou com os dinossauros e uma percentagem bem grande de outras espécies - desde árvores a aves ou insectos - que existiam na altura, ou como a razão (não se tem a certeza qual seja) que acabou com, notem, 95% das espécies existentes há 225 milhões de anos (a chamada extinção do Pérmico), o Homem é um ser natural. E vai extinguir - já o está a fazer - muitas das espécies existentes (seja directamente, seja dando boleia a vermes nos seus jactos ou a ratazanas nos porões das caravelas). E depois? Vai deixar de existir o panda ou o koala? Que pena, parecem tão fofinhos. Vai deixar de existir a barata (não vai que ela aguenta tudo, mas aceitem o argumento)? Temos pena ou essa até extinguiríamos nós de boa vontade? É que quem quer conservar deve ser tipo Noé: ou são todos ou então está a armar-se em Deus. E Deus, meus amigos, só (não) há um. E o Homem é só um animal.

Em resumo, que isto já parece uma tese de doutoramento: se o panda acabar, teremos sempre o canal Panda onde ver os Irmãos Koala.

PS: A única chatice nas extinções e na diminuição da biodiversidade é que aceleram o processo da própria extinção (ou pelo menos da chamada "diminuição de efectivos") do Homem. Não sou contra a conservação do meio ambiente, mas não a coloco à frente do conforto que a tecnologia permite aos elementos desta espécie que se diz Homo sapiens sapiens. Será possível a quadratura do círculo? Espero - embora não acredite - que sim. (Fiz, mas deve ter sido com um 6, a cadeira onde se estudava nomenclatura: o termo específico e sub-específico são em maiúscula ou minúscula? Tenho preguiça em abrir o Hickman e procurar. Agora vou comer um pedaço de porco a que se chamam e tão bem rojões.)



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Quinta-feira, 19 de Agosto de 2010


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Terça-feira, 17 de Agosto de 2010

Agora que já está nas bancas à mais de mês e meio, e que saiu o Poema Sujo, a minha crónica da LER de Julho, escrita a partir de um convite do director.

 

José Ribamar Ferreira assina Ferreira Gullar desde sempre e eu não sei porquê. Talvez o tenha perguntado na conversa que tivemos com ele (eu, a Ana, o Eucanaã Ferraz, o Carlos Mendes Sousa e mais alguém que já esqueci) em 2002 na sua casa no Rio, mas a gravação que ele acedeu que se fizesse para sair na Apeadeiro perdeu-se no esquecimento. Ainda bem. Interessa-me mais lembrar as suas mãos muito esguias a demonstrar ou explicar ou desconstruir um poema que teria escrito há já muito anos e que parecia o jogo do galo em versos e pauzinhos chineses em que cada pauzinho, que encaixava numa ranhura numa tábua, tinha uma função poética específica. Ou se não tinha, passou a ter porque foi assim que o lembrei sempre. Os cabelos já brancos e compridos caiam sobre as mãos debruçadas no poema e eu queria perceber que a poesia também podia ser aquilo – tudo, portanto.

Mas minto. A conversa tinha outro espectador, interventivo e interessante e chamado Gatinho. Gullar tinha há anos um gato a que tinha chamado de Gatinho. A reiteração da sua qualidade substantiva no seu nome próprio não é de menor importância: Gatinho porque era gatinho quando chegou ou porque alguns anos passados escreveu um livro infantil com um título como poucos de tão bom: Um Gato Chamado Gatinho? Aposto na primeira razão, bem mais importante.

No final do livro, Gullar diz que já tinha escrito poemas sobre o seu Gatinho no livro Muitas Vozes (de 1999). Mas que esses poemas “são de outra natureza, envolvendo questões graves”. Quererá isto dizer que a sua poesia é grave? Ou que estes poemas para os moleques são leves? Imagino que sim, talvez até lhe tenha perguntado, mas o peso do poema concreto de carácter escultórico não mo deixa lembrar.

A sua poesia é grave, sim. Porque primeiro era sobre a própria poesia, sendo como foi pioneiro do neo-concretismo brasileiro. E porque depois de sentir esgotado esse trabalho, se tornou então interventiva, sobre aquilo que faz a poesia e que não são as palavras: os homens. É assim que nasce Poema Sujo. Um livro de um poema só, longo e torrencial, escrito em 1975 com a gravidade do exílio forçado pela ditadura brasileira.

O livro sobre Gatinho tem outra leveza, sim. Mas tem também estes versos: “Se à mesa me sento / a escrever poesia / e da sala me ausento / pela fantasia, volto à realidade / quando, sem querer, / toco de resvés / numa coisa macia.” Da sala se ausenta “pela fantasia”, diz. Haverá coisa mais grave e etérea do que entrar na poesia que é fantasia? E voltar pela coisa macia? E o gatinho chamado Gullar não fala do poema do círculo perfeito feito com pauzinhos agrestes: fala do gato chamado Gatinho que lhe amaciou durante anos a vida. Sei que infelizmente já morreu. Mas sei também que, para além de Gullar o ter feito neste magnífico livro, Adriana Partimpim o decidiu imortalizar cantando no seu show quatro destes poemas ditos leves. E eu não conheço nada mais grave do que fazer rir uma plateia cheia de crianças como aconteceu no Coliseu há uns cinco anos. E a poesia também pode ser isto – tudo.



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Domingo, 15 de Agosto de 2010

Às vezes o dia dá-nos coisas assim. No Freeport, como não, a 5 euros, um livro que sempre tive vontade de (re)ler mas que estava como uma pedra no sapato: cheguei a pensar nele seriamente para as Quasi, mas as 400 páginas de tradução e o medo que o sucesso lá de fora se não repetisse cá dentro, fizeram-me não apresentar nenhuma proposta para a compra dos direitos. A isto, claro, somava-se o facto de eu saber que não tinha área comercial em condições para poder potenciar o livro.

Quando a Marta Ramires o levou para a Casa das Letras fiquei expectante. E com um sentimento muito agridoce de o ver chegar às quatro edições, aos tops de vendas de todas as livrarias. O livro merecia, claro. Mas não poderia ter sido eu a colocá-lo lá? Não, não poderia. A Marta além da boa editora que era - e é - tinha uma máquina comercial imparável. E só assim era possível possibilitar ao livro a exposição que fez dele esse sucesso.

Por isso mesmo - um misto de inveja e de orgulho - nunca comprei a edição portuguesa. Tinha lido grandes partes da inglesa, percebido do interesse do livro. Mas depois nunca mais lhe peguei. A inveja deve ter falado mais alto.

Comprei-o hoje, que a vida mudou tanto que era para ser mesmo assim. Ainda para mais a 5 euros no Freeport (4,90 se não estou em erro). E já (re)comecei a ler. Devo acabar breve, breve.

Uma última palavra para o título: Dawkins explica muito bem o termo delusion no prefácio. Em português, o tradutor até coloca delusão. Dizendo Dawkins o que diz de Stephen Hawking (que teria aceite o conselho de não colocar fórmulas, que cada fórmula faria as vendas cairem para metade, cito de cor), não acredito que ficasse muito satisfeito com a tradução para A Desilusão de Deus em vez de A Delusão de Deus ou, no limite, A Ilusão de Deus. Mas talvez a Marta tenha razão: o sucesso do livro também pode ter estado numa tradução do título mais fácil para o leitor. Embora eu talvez tivesse optado pelo A Ilusão de Deus...



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Sexta-feira, 13 de Agosto de 2010

Ver os telejornais da uma - principalmente na TVI, sim, mas ainda agora vi na SIC - abrindo com a questão dos incêndios é como ver o Herman Enciclopédia regressar: um grande momento de humor.

Na SIC, a reportagem versava o tema primordial de as pessoas usarem a água do cemitério - que o jornalista deve pensar que das duas uma, ou está reservada para dar de beber aos mortos ou é mesmo água benta - para tentarem apagar os fogos. Uma peça a que só faltou o Diácono Remédios a dizer num havia nessessidade, a água é para Deus Nosso Senhor, sshh, sshh.

Mas o momento mais alto - este ao nivel de um Tal Canal do século XXI - foi há minutos na TVI. Uma, digamos, jornalista, que o meu irmão apelidou e bem de "boa" (no que aos atributos físicos diz respeito, claro), abriu o jornal da uma com uma reportagem tirada do Diário de Marilu: ela começou a correr pela estrada, com a voz ofegante e o operador de câmara, bem ao nível do Michael Mann, a correr atrás dela, reportanto o terror, o terror. Primeiro chegou junto a dois ditos "populares" que, vendo-a tão ofegante pensaram que decerto precisaria de um bocadinho de água tirada do cemitério da SIC. Mas que lá responderam, muito calmos, "é, está difícil, mas tudo está a correr pelo melhor". Mas ela não se ficou, ai não, não. E então nada como entrar por dentro do fumo, quase por dentro do fogo, dizendo das "faúlhas, do ar irrespirável, da fuligem, do fumo, meu Deus, do fumo", sempre a correr às arrecuas e com o operador de câmara a colocar a mão até em frente da televisão (quer dizer, dentro dela...) para a desviar de uma árvore onde ia embater e a tentar falar com um coitado de um bombeiro que, sem comer desde as três da matina e de directa há dias, quando interpelado por ela, continuou a andar quase com o olhar de quem, muito carnívoro, acabou de ver um prato de esparregado. Pensou, imagino "esta cachopa está douda". E estava. Ela continuou a correr, a dizer que era o fim do Mundo para todos mas pelos vistos só para ela e a fugir do fumo para dentro do fumo "irrespirável". O cabelo caía-lhe para a frente dos olhos, mesmo como a Marilu. Quero crer que no entanto o meu irmão tem razão: ela é boa e não se revelará no final como um homem. Mas como estamos na TVI, nunca se sabe.  



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Quinta-feira, 12 de Agosto de 2010

Os mais desatentos - ou atentos - pensarão que dado o título "Maryllin e Mark" aqui se vá falar de Monroe com um Kennedy qualquer, que em vez de Jackim era Marco. Nada mais falso: falemos antes de Maryllin Manson e Mark Kozelek. Que haverá de tão igual ao ponto de ser idêntico entre as carreiras destas duas personalidades, uma príncipe do rock industrial e outra rei do sad core? Numa palavra: quase tudo.

Kozelek era os Red House Painters. Iniciados com uma maquete de seis temas que deu um álbum na 4AD em 1992, com o segundo álbum homónio viraram fenómeno de culto. Depois de um sucedâneo também homónimo (com as sobras do primeiro), mas de um Ocean Beach de 95 muito bom e de um Songs For a Blue Guitar de 96 (já fora da 4AD) excelente, veio a decadência. Old Ramon (de 2001, mas que eu sei estar pronto desde 98) era já uma coisa a caminhar para o mau e só um primeiro álbum a solo de Mark permitia alguma esperança. Enfim, ela não veio. Três álbuns com o novo nome de Sun Kil Moon (porque os direitos de Red House Painters ficaram na SubPop), incontáveis gravações ao vivo e em nome próprio, Kozelek tornou-se uma caricatura dele próprio. Perdeu os dotes para compor? Nada disso. Então que aconteceu? Simples: mudou o registo vocal. Assim, sem mais. Onde antes havia uma voz magnífica, passou a existir um rapaz a, termo técnico, esganiçar. Ao ponto de, em alguma músicas dos Sun Kil Moon a coisa soar mesmo, digamos, desafinada. Boas canções, sempre, mas muito mal cantadas, sempre.

Manson, esse, é o príncipe do rock industrial. Nome de banda e de front man da banda, tem esse paralelismo com Kozelek à partida: ele é quem sabe, o resto é gente para encher o quadro. Começou em 1994 com Portrait of an American Family, um dos primeiros grupos que Trent Reznor (o rei), dos Nine Inch Nails, contratou na sua Nothing. (Quem quiser pode ver num dos videos de Broken, EP dos Nine Inch Nails de 92, Brian Warner - o nome próprio do senhor Manson - sem maquilhagem a tocar guitarra.) E além de contratar, produziu. Ele gritava, mas não só: dizia. Era assim como um Pedro Abrunhosa, que sabe bem que não sabe cantar então murmura. Manson gritava, sim, mas também usava a voz grave que tem para longas frases quase guturais, cheias, fortes. E foi com esse registo - e mais uma vez Reznor na produção, embora também na composição de alguns temas e a tocar alguns instrumentos - que saiu Antichrist Superstar em 1996. Numa palavra: um disco perfeito de rock de fusão, industrial, metal, duro como uma carcaça de pão recessa de quatro dias. Mas eis que, a partir daí - e já sem Reznor a ajudar (as comadres zangaram-se e só fizeram as pazes em 99 no video Starfuckers Inc. dos Nine Inch Nails) - o rapaz se esqueceu que não sabe cantar. E então, é só gritos. Poucas as músicas que em Mechanical Animals (1998), nenhumas em Holy Wood (2000), Eat Me, Drink Me (2007) e The High End of Low (2009) onde não há mais do que gritos e gritos (pelo meio houve The Golden Age of Grotesque de 2003 em que Tim Sköld dos históricos do industrial KMFDM deu a ajuda necessária para ele, quer dizer, cantar sem gritar tanto).

Este post, por isso, é um pedido. Eu já tive o email do Kozelek (costumo dizer que houve gente que o conheceu e foi amigo dele; eu não, eu zanguei-me com ele, o que é muito mais chique). Mas do Manson não tenho sequer uma morada que não seja um apartado ou um email que não seja geral em inglês. Alguma alma caridosa diz a estes dois senhores que eles continuam a saber compor, que são gajos inteligentes, etc e tal, mas que basta continuarem a cantar, num caso, e falar no outro, como sabiam há aí uns dez anos? Eu, que neste momento ouço MM e que vou adormecer a ouvir a Ruth Marie do MK, dou um exemplar por ele assinado (e com muita amizade) do Noites de Atropelo do Kozelek a quem provar que o conseguiu (com o álbum respectivo, claro, editado para eu poder ouvir para adormecer, num caso, ou acordar, no outro). Ora, muitos obrigados, sim?



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Quarta-feira, 11 de Agosto de 2010

Mero de leitor de jornais, telespectador de telejornais, navegador da internet. Mas, como qualquer pessoa que se preze, também tenho a minha opinião. E é esta: a culpa é da globalização.

Antes que o Bloco de Esquerda me mande um email com a devida ficha de inscrição de militante, serei um bocadinho mais acutliante: a culpa é da globalização da informação, do facto de em dois minutos todos sabermos o que acontece em Vanuatu ou em Vladivostock. Quero com isto dizer que quando lemos no DN que este Verão é o mais quente na Rússia nos últimos 1000 anos, me parece, digamos, algo exagerado. Segundo percebi, os registos só existem desde 1900 e troca o passo. Antes, são medições de paleometereologia ou alguma coisa assim com paleo no nome. E essas medições intuem imediatamente que sendo o mais quente em mil anos, nunca nesses mil anos a taxa de mortalidade em Moscovo duplicou como neste ano (de 350 mortes diárias para 700)?

O mesmo se poderá dizer das cheias do Paquistão, dos incêndios no Tabuaço, nas inundanções no centro da Europa, and so on. Não estou a dizer que a humanidade não tenha precipitado estas alterações - que precipitou, sem dúvida, e não deu só chuva. Mas que a Terra é um animal vivo desde há milhões de anos (por favor não confundir a metáfora com a aceitação do princípio de Gaia de Lovelock, que me parece, numa palavra, uma patetice), e que esse animal vivo sofre transformações e mais transformações, cíclicas ou não, sofre. E nem só do Homem vive a Terra. Somos um predador em roda livre, sem presa que o controle. Mas daí a sermos responsáveis por tudo e mais alguma coisa, vai um passo um bocadinho grande. Ainda para mais quando esse tudo e mais alguma coisa parece às vezes saído mais do fluxo de informação global vindo directamente de Valdivostock do que de dados verdadeiramente confiáveis.



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Sofro de uma neuropatia motora, no meu caso uma variante de esclerose lateral amiotrófica (ELA): a doença de Lou Gehrig. As neuropatias motoras estão longe de ser raras: a doença de Parkinson, a esclerose múltipla e uma variedade de doenças menores incluemse todas nessa categoria. O que distingue a ELA - a menos comum nesta família de doenças neuromusculares - é, primeiro, o facto de não haver perda de sensações (o que tem vantagens e inconvenientes) e, segundo, não haver dor. Ao contrário do que sucede em quase todas as outras doenças graves ou mortais, o doente permanece, deste modo, capaz de observar livremente e com um desconforto mínimo o desastroso progresso da sua própria deterioração.

Com efeito, a ELA constitui um aprisionamento progressivo sem liberdade condicional. Primeiro, perde-se o uso de um ou dois dedos; a seguir, de um dos membros; depois, e quase inevitavelmente, dos quatro. Os músculos do tronco declinam para um quase torpor, um problema prático do ponto de vista digestivo, mas também de risco de vida, dado que a respiração se torna, a princípio, difícil e, com o tempo, impossível sem ajuda exterior sob a forma de um ventilador de bomba e tubos. Nas variantes mais extremas da doença, associadas com a disfunção dos neurónios motores superiores (o resto do corpo é comandado pelos chamados "neurónios motores inferiores"), torna-se impossível engolir, falar e até controlar o maxilar e a cabeça. Não sofro (por enquanto) deste aspecto da doença, pois, se assim fosse, não conseguiria ditar este texto.
No nível de declínio em que me encontro, estou, assim, efectivamente tetraplégico. Com um esforço extraordinário, consigo mover um pouco a mão direita e consigo levar o braço esquerdo cerca de 15 centímetros pela frente do peito. As minhas pernas, embora permaneçam firmes, se eu estiver em pé, o tempo suficiente para permitir que um enfermeiro me transfira de uma cadeira para outra, não aguentam o meu peso e apenas uma delas ainda mantém algum movimento autónomo.
Deste modo, quando as minhas pernas ou os meus braços estão colocados numa determinada posição, permanecem assim até que alguém os mova por mim. O mesmo acontece com o meu tronco, tendo como resultado dores nas costas, devido à inércia e à pressão, que causam uma inflamação crónica. Como não disponho do uso dos braços, não posso coçar uma comichão, ajustar os óculos, retirar alguma partícula de comida que fique nos dentes ou qualquer outra das coisas que - como podem confirmar se pensarem por um momento - todos fazemos dezenas de vezes ao dia. O mínimo que posso dizer é que estou total e completamente dependente da bondade de estranhos (e de qualquer outra pessoa).
Durante o dia, posso, pelo menos, pedir que me cocem, que ajeitem alguma coisa, que me dêem de beber ou que me mudem simplesmente a posição dos membros dado que a imobilidade forçada durante horas sem fim não só é fisicamente desconfortável, como psicologicamente fica à beira do intolerável. Não é como se perdêssemos o desejo de nos esticarmos, de nos inclinarmos, de nos levantarmos ou deitarmos ou de correr ou mesmo fazer exercício. Mas, quando nos invade uma forte vontade de o fazer, não há nada - nada - que possamos fazer, excepto procurar algum ténue substituto ou, então, encontrar um meio de suprimir esse pensamento e a memória muscular que o acompanha.
Mas, então, chega a noite. Adio a hora de me deitar até ao último momento possível de acordo com a necessidade de sono do meu enfermeiro. Depois de ter sido "preparado" para ir para a cama, sou levado para o quarto na cadeira de rodas onde passei as últimas 18 horas. Com alguma dificuldade (apesar do meu peso, massa e volume, ainda sou um considerável corpo morto, mesmo para um homem forte deslocar), sou manobrado para a minha cama. Sou sentado num ângulo de cerca de 110 graus e posto em posição com toalhas e almofadas dobradas, com a perna esquerda, em particular, virada para fora, à maneira do ballet, para compensar a sua progressiva propensão para descair para o lado de dentro. Este processo requer uma significativa concentração. Se eu deixar um membro desgarrado ser mal colocado, ou não insistir em ficar com a parte da barriga alinhada com as pernas e a cabeça, sofrerei os tormentos das almas condenadas mais tarde, durante a noite.
Sou então tapado e as minhas mãos colocadas por fora dos cobertores, para me proporcionar a ilusão de mobilidade, mas embrulhadas, em todo o caso, visto que - como todo o resto de mim - elas sofrem actualmente de uma permanente sensação de frio. É-me oferecido um último coçar de qualquer um da dúzia de pontos de comichão desde a raiz dos cabelos aos dedos dos pés; o aparelho de ventilação Bipap [suporte ventilatório por pressão para ventilação não invasiva] no meu nariz é apertado a um ponto necessariamente desconfortável, para assegurar que não escorrega durante a noite; são-me tirados os óculos... E ali fico eu: embrulhado, míope e imobilizado, como uma múmia dos tempos modernos, sozinho na minha prisão corporal, acompanhado para o resto da noite apenas pelos meus pensamentos.Claro que, na verdade, tenho acesso a ajuda se precisar. Uma vez que não consigo mover um músculo, salvo apenas no pescoço e cabeça, o meu dispositivo de comunicação é um intercomunicador de bebé colocado na minha mesa de cabeceira, o qual é deixado permanentemente aberto de modo que, a um simples chamamento meu, virá o auxílio. Nas primeiras fases da minha doença, a tentação de chamar a pedir ajuda era quase irresistível: todos os músculos sentiam necessidade de movimento; tinha comichão em cada centímetro de pele; a minha bexiga encontrava formas misteriosas de voltar a encher-se de noite e, depois, precisava de alívio; e eu, em geral, sentia uma necessidade desesperada do efeito reconfortante da luz, da companhia e do simples aconchego do contacto humano. Actualmente, porém, aprendi a dispensar isto na maioria das noites, preferindo não acordar a minha mulher ou a pessoa que me assiste, e a consolar-me e refugiar-me nos meus próprios pensamentos.
Isto, embora seja eu que o diga, não é tarefa fácil.
Pergunte-se quantas vezes se move de noite. Não me refiro a mudar completamente de lugar (por exemplo, ir à casa de banho, embora isso também): apenas quantas vezes desloca uma mão, um pé; com que frequência coça diferentes partes do corpo antes de cair no sono; como, sem ter consciência disso, se mexe ligeiramente para encontrar a posição mais confortável. Imagine por um momento que, em vez disso, era obrigado a ficar absolutamente imóvel, deitado de costas - que não é de modo nenhum a melhor posição para dormir, mas a única que eu consigo tolerar - durante sete horas ininterruptas, e constrangido a imaginar maneiras de tornar esse calvário tolerável, não apenas por uma noite, mas para o resto da sua vida.
A minha solução tem sido repassar a minha vida, os meus pensamentos, fantasias, memórias, lapsos de memória e coisas do género, até me deparar com acontecimentos, pessoas ou narrativas que possa utilizar para distrair o meu pensamento do corpo em que está encerrado. Estes exercícios mentais têm de ser suficientemente interessantes para prender a minha atenção e me fazerem aguentar uma comichão exasperante dentro do ouvido ou no fundo das costas; mas também têm de ser suficientemente aborrecidos e previsíveis para servir de prelúdio eficaz e de ajuda para dormir.
Levou-me algum tempo a identificar este processo como alternativa exequível para a insónia e o desconforto físico, e não é de modo nenhum infalível. Mas fico, por vezes, admirado, quando reflicto sobre o assunto, ao ver como pareço pronto a ultrapassar, noite após noite, semana após semana, mês após mês, o que antes era uma provação diária quase insuportável. Acordo exactamente na mesma posição, estado de espírito e sensação de desespero suspenso de quando fui para a cama - o que nas presentes circunstâncias deve ser tido como um feito considerável.
Esta existência nocturna de barata é, cumulativamente, intolerável ainda que numa determinada noite seja perfeitamente suportável. "Barata" é, claro, uma referência a Metamorfose de Kafka, em que o protagonista acorda uma manhã para descobrir que se transformou num insecto. O essencial da história é tanto a reacção e incompreensão da família dele como o relato das suas próprias sensações, e é difícil resistir à ideia de que nem mesmo o amigo ou parente mais bem intencionado e mais generosamente solícito pode esperar compreender a sensação de isolamento e de aprisionamento que esta doença impõe às suas vítimas. A impotência é humilhante mesmo em crises passageiras - imagine ou lembre-se de uma ocasião em que deu uma queda ou, de alguma maneira, precisou de ser fisicamente assistido por estranhos. Imagine a reacção da mente ao conhecimento de que a dependência particularmente humilhante da ELA é uma pena perpétua (falamos alegremente de sentença de morte relativamente a isto, mas, na verdade, esta seria um alívio).A manhã traz algum alívio, embora seja significativo, a respeito da viagem solitária através da noite, o facto de a perspectiva de ser transferido para uma cadeira de rodas para o resto do dia animar o espírito! Ter alguma coisa para fazer - no meu caso, algo puramente cerebral ou verbal é um considerável alívio - mesmo que seja apenas no sentido quase literal de proporcionar uma ocasião de comunicar com o mundo exterior e de expressar por palavras, muitas vezes palavras iradas, as irritações e frustrações reprimidas da inanição física.
A melhor maneira de sobreviver à noite seria tratá-la como ao dia. Se eu pudesse encontrar alguém que não tivesse nada melhor para fazer do que conversar comigo toda a noite, sobre coisas suficientemente distractivas para nos manterem a ambos acordados, eu procurá-las-ia. Mas, nesta doença, também temos sempre consciência de que precisamos da normalidade das vidas das outras pessoas: a sua necessidade de exercício, de entretenimento e de sono. E, assim, as minhas noites parecem-se superficialmente com as das outras pessoas. Preparo-me para ir para a cama; vou para a cama; levanto-me (ou sou levantado).
Mas o bocadinho que as distingue, tal como a própria doença, é impossível de expressar.
Suponho que devia estar, pelo menos, moderadamente satisfeito por saber que encontrei dentro de mim o género de mecanismos de sobrevivência que a maioria das pessoas normais apenas viu descrito em relatos de catástrofes naturais ou de presos na solitária. E é verdade que esta doença tem a sua dimensão capacitante: graças à minha impossibilidade de tomar notas ou prepará-las, a minha memória - que já era bastante boa - melhorou consideravelmente, com a ajuda de técnicas adaptadas do "palácio da memória" [de Matteo Ricci] descrito de forma tão interessante por Jonathan Spence. Mas as satisfações de compensação são notavelmente passageiras. Não existe nenhuma graça salvífica em estar confinado a uma armadura de ferro, fria e inflexível. Os prazeres da agilidade mental são muito exagerados, decerto - como agora percebo - por aqueles que não dependem exclusivamente deles. E o mesmo se pode dizer dos encorajamentos bemintencionados a que se procure compensações não físicas para a incapacidade física. Acaba por ser futilidade. Perda é perda e não se ganha nada em lhe dar nomes mais bonitos. As minhas noites são curiosas; mas eu passava bem sem elas.

[Roubado da edição on line do Público. Não sei quem terá traduzido]



publicado por JRS às 02:52 | link do post | favorito

Terça-feira, 10 de Agosto de 2010

Dizem que os Nine Inch Nails pararam, que chegaram os How to Destroy Angels, com o Trent Reznor, a esposa e mais alguém.

Ele, esse senhor tão cheio de si - literalmente, Reznor está mesmo gordo - casou-se. E nota-se. A menina fazia entrevistas como se fosse um Daniel Oliveira mas em bom, e deve-se ter cruzado com o Trent. Ele fisgou-a e fez bem, que pelo que se vê no Youtube a moçoila tem atributos bem para além da voz.

Gostei das duas primeiras músicas que se me depararam na internet. Comprei o EP, espero por ele para poder dizer do resto. As que entretanto vejo pousadas no youtube não me estão a convencer por aí além. Mas é só um EP. Talvez o álbum - anunciado para 2011 - possa ter mais do que dois singles e surpreender.

Mas isto tudo só para dizer que com tudo isto voltei ao sítio dos Nine Inch Nails, onde há meses não caía. E vim de lá - bem, ainda lá estou - a ouvir vezes sem conta a dita v2 da Right Were it Belongs. Esta canção, do [With Teeth], é mesmo muito boa. Mas na versão original tem o grave problema da repetição de uma frase de piano que, digamos, irrita até um budista. Esta versão 2, da mão do mesmo Reznor (naquela página de remix há muita gente que remixou as cousas dele), despe a canção e apresenta-a como deveria ter sido: no tutano. É uma guitarra e muito muito pouco mais. A ir ouvir e reouvir.  

 

Escusado será dizer que a Rua da Castela está, assim como assim, right were it belongs, pelo menos a partir de agora. Com a promessa de, com o mesmo, vá lá... interesse, terá uma muito maior assiduidade. E a tentativa de nos próximos dias ter links, acertos, perfis. Sempre com a roupa à janela, claro.

 

Muito gosto eu de, depois de escrever um testamento como o de trás (isto no que diz respeito a blogues, pelo menos), com dois cliques perceber mais coisas e aditar: a versão faz parte da edição japonesa do álbum e, claro, pode ser ouvida (sem video, mas pelo menos ouvida) no Youtube. Fica aqui:

 



publicado por JRS às 02:01 | link do post | favorito

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